Eu sempre me senti meio diferente, fora do lugar, como se eu estivesse em uma frequência e o resto do mundo em outra. Meu pai gostava de brincar dizendo que eu tinha um parafuso a menos, às vezes quando ele achava um em algum lugar ele apontava “ó, deixou cair”. Nunca foi sério, mas conforme eu fui crescendo percebi que é, talvez eu tenha deixado alguns caírem sim.
As engrenagens da minha cabeça não giram do jeito que deveriam girar, sei disso porque elas fazem um barulho esquisito. Eu consigo escutar a noite, quando to com a cabeça no travesseiro e as sombras na parede tem um formato quase tão estranho quanto.
A vida toda eu tentei compensar, substituir os parafusos faltantes com outras coisas — pregos, brocas, validação. Se eu fosse boa o bastante, talvez não percebessem. Se não percebessem, talvez eu conseguisse me convencer de que não existem buraquinhos vazios na minha cabeça.
Falei uma vez para minha psicóloga que eu não me sentia uma pessoa inteira, ela me perguntou “como um espelho quebrado ou como um quebra-cabeça incompleto?”, aparentemente, tem diferença. Sei que deveria lembrar o que respondi e o que ela me falou depois disso, mas não lembro. Culpa dos malditos parafusos.
Sinto que isso é algo que faço bastante, culpar meus parafusos desaparecidos por tudo que dá errado. Ah, se eu fosse normal… Me pergunto quem eu seria se minhas engrenagens estivessem plenamente funcionais, se eu ainda teria os mesmos valores, se ainda gostaria de escrever, se meu livro favorito seria outro, se eu amaria as mesmas pessoas…
Mas é aí que paro, me recuso a ficar de luto por uma versão de mim que nunca vai existir, não quando posso usar essa energia aprendendo a ser gentil com a que eu vejo no espelho todos os dias. Porque, sinceramente, por mais que eu tenha feito de tudo para ninguém ver que eu sou um pouquinho disfuncional e fora do normal, algumas pessoas viram, e algumas pessoas ficaram, e algumas pessoas me amaram (e ainda amam), e eu pude amá-los de volta, e é isso que importa.
lindo e acolhedor!
isso de não se sentir uma pessoa inteira!!!! muito real se sentir vazia e se culpar por isso o tempo todo